Bukowski

08/02/92 01:16

O que os escritores fazem quando não estão escrevendo? Eu vou ao hipódromo. Nos meus primeiros tempos, ou passava fome ou trabalhava em empregos de revirar os estômago.

Agora, me mantenho afastado dos escritores - ou das pessoas que se dizem escritores. Mas entre 1970 e 1974, quando decidi ficar em um lugar e escrever ou morrer, os escritores vinham aqui, todos poetas. POETAS. E descobri uma coisa curiosa: nenhum deles tinha qualquer meio visível de sustento. Ou, se faziam leituras de poesias, poucos assistiam, digamos de quatro a 14 outros POETAS. Mas todos viviam em apartamentos, razoavelmente bons e pareciam ter tempo de sobra para sentar no meu sofá e beber minha cerveja.

Adquiri fama na cidade de ser maluco, de fazer festas onde coisas inomináveis aconteciam e mulheres doidas dançavam e quebravam as coisas, ou que eu expulsava as pessoas da minha casa, ou que havia batidas policias ou etc e etc. Muito disso era verdade. Mas eu também tinha que escrever para meu editor e para as revistas para conseguir dinheiro para o aluguel e o trago, e issso significava escrever prosa. Mas esses... poetas... só escreviam poesia... eu achava que eram superficias e pretensiosas...mas eles continuavam com ela, vestiam-se razoavelmente bem, pareciam bem-alimentados, e tinham todo esse tempo para sentar no sofá e tempo para conversar- sobre sua poesia e sobre si mesmos. Muitas vezes, eu perguntava: " Escute, como você se sustenta?". Eles só ficavam sentados, sorriam para mim, bebiam minha cerveja e esperavam que alguma das minhas doidas mulheres aparecesse, na esperança de que, de alguma forma, conseguissem um pouco de sexo, admiração, aventura ou seja lá o que for.

Estava ficando claro para mim que teria que me livrar desses bajuladores molengas. E, gradualmente, descobri seu segredo, um a um. Na maioria das vezes, nos bastidores, bem escondida, estava a MÃE. A mãe tomava conta destes gênios, pagava o aluguel, a comida e as roupas.

Lembro uma vez, numa rara saída de casa, eu estava sentado no apartamento desse POETA. Estava um saco, nada para beber. Ele ficou falando que era uma injustiça ele não ter maior reconhecimento. Os editores, todos conspiravam contra ele. Apontou o dedo para mim: "Você também, você disse pra Martin não me publicar!" Não era verdade. Daí, ele começou a reclamar e a se queixar sobre outras coisas. Então tocou o telefone. Ele atendeu e começou a falar bem baixinho e reservadamente. Desligou e virou-se para mim.

"É a minha mãe, ela está vindo pra cá. Você tem que ir embora."
"Tudo bem, gostaria de conhecer a sua mãe."
"Não! Não! Ela é horrível! Você tem que ir embora! Agora! Rápido!"

Tomei o elevador e saí. E risquei-o de meu caderno.

Havia um outro. A mãe pagava para ele a comida, o carro, o seguro, o aluguel e até mesmo escrevia parte de seus poemas. Inacreditável. E isso aconteceu durante décadas.

Havia outro cara, parecia sempre muito calmo, bem alimentado. Dava aulas numa oficina de poesia em uma igreja todos os domingos de tarde. Tinha um bom apartamento. Era membro do partido comunista. Digamos que seu nome fosse Fred. Perguntei a uma senhora que freqüentava sua oficina e que o admirava muito.

"Escute, como o Fred não quer que ninguém saiba, porque ele é muito reservado sobre isso, mas ele ganha dinheiro limpando caminhões de comida."
"Caminhões de comida?"
"É, você sabe, essas caminhonetes que entregam café e sanduíches no intervalo e no almoço nos locais de trabalho, bem, esses caminhões de comida."

Passaram uns dois anos e então foi descoberto que Fred também era proprietário de dois edifícios de apartamentos e que vivia principalmente dos aluguéis. Quando descobri isso, tomei um trago e fui até o apartamento de Fred. Ficava em cima de um pequeno teatro. Um lugar pretensiomante artístico. Saltei para fora do carro e toquei a campainha. Ele não respondeu. Eu sabia que ele estava lá. Tinha visto sua sombra passando atrás das cortinas. Voltei para o carro e comecei a tocar a buzina e a gritar: "Ei, Fred, sai daí!". Joguei uma garrafa de cerveja em uma das suas janelas. Picou e voltou. Isso o fez se mexer. Saiu na varanda e me espiou.

"Bukowski, vá embora!"
"Fred, vem aqui embaixo que eu vou te dar um chute na bunda, seu comunista proprietário de terras!"

Ele correu para dentro. Fiquei lá parado, esperando por ele. Nada. Então, me ocorreu que ele estava chamando a polícia. Já tinha encontrado demais a polícia. Entrei no carro e fui para casa.

Outro poeta vivia nessa casa na beira do mar. Uma casa legal. Ele nunca tinha emprego. Eu ficava pegando no pé dele: "Como você se sustenta? Como você se sustenta? ". Afinal, ele confessou. "Meus pais tem propriedades e eu cobro o aluguel para eles. Eles me pagam um salário." Ele ganhava um salário e tanto, imagino. De qualquer forma, pelo menos ele me contou. Alguns nunca contam.

Havia esse outro cara. Escrevia bons poemas, mas muito poucos. Sempre tinha seu bom apartamento. Ou estava indo para o Havaí ou algum outro lugar. Era um dos mais descontraídos. Sempre de roupas novas e recém-passadas, de sapatos novos. Sempre bem barbeado, de cabelo cortado; tinha dentes cintilantes. "Vamos lá, cara, como você se sustenta?" Nunca falou. nem mesmo sorria. Só ficava lá parado.

E também há um outro tipo que vive de caridade. Escrevi um poema sobre um deles, mas nunca publiquei porque, no fundo, sentia pena dele. Aqui está parte do poema:

"João com o cabelo solto. João exigindo dinheiro. João da barriga grande. João da voz alta, alta. João da troca, João que se exibe para as garotas, João que acha que é um gênio, João que vomita, João que fala mal dos sortudos, João ficando cada vez mais velho, João ainda exigindo dinheiro, João escorregando pelo pé de feijão, João que fala mas não faz, João que escapa impune do assassinato, João que faz biscates, João que fala dos velhos tempos, João que fala e fala, João
João com a mão estendida, João que aterroriza os fracos, João, o amargurado, João dos cafés, João implorando reconhecimento, João que nunca tem emprego, João que superestima totalmente seu potencial, João que fica gritando sobre seu talento não reconhecido, João que culpa a todos.
Você sabe quem é João, você o viu ontem, você o verá amanhã, você o verá semana que vem.
Querendo sem fazer, querendo de graça.
Querendo fama, querendo mulheres, querendo tudo
Um mundo cheio de Joãos descendo pelo pé de feijão. "

Já estou cansado de escrever sobre poetas. Mas devo acrescentar que estão prejudicando a si mesmos vivendo como poetas em vez de outra coisa. Trabalhei como trabalhador comum até os 50 anos. Vivia espremido entre as pessoas. Nunca pretendi ser um poeta. Não estou dizendo que trabalhar para viver seja uma grande coisa. Na maioria das vezes, é horrível. E muitas vezes você tem que lutar para manter um emprego horrível porque existem 25 caras atrás de você prontos para pegar o mesmo emprego. É claro que é sem sentido, é claro que te arrasa. Mas acho que estar nesta confusão me ensinou a deixar a frescura de lado quando escrevia. Acho que você tem que enfiar a cara na lama, de vez em quando, acho que você tem que saber o que é uma prisão, o que é um hospital. Acho que você tem que saber o que é ficar sem comer por uns quatro ou cinco dias. Acho que viver com mulheres loucas faz bem para a espinha. Acho que você pode escrever com satisfação, e liberdade depois de passar pelo aperto. Só digo isso porque todos os poetas que conheci tem sido uns frouxos, uns parasitas. Não tinham nada para escrever, exceto sua egoísta falta de persistência.

(trecho de O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio - Charles Bukowski)

1 comment:

Pauloca said...

Justamente do que eu estava precisando agora.